O instrumento do tombamento foi instituído, no Brasil, em 1937, com a finalidade, dentre outras, de proteger as características de um bem com reconhecido valor histórico, garantindo sua existência para a sociedade de hoje e para as gerações futuras. O ato de tombar coloca os objetos protegidos sob a vigilância dos institutos destinados a esse fim e, em muitas situações, pode ser considerado com receio e antipatia pelos gestores dos bens, seja por limitar as intervenções físicas, seja por interferir diretamente em seu valor patrimonial.
No entanto, é possível contrapor os eventos limitantes por meio de ações que beneficiam e colaboram com o objetivo maior, que é a preservação do bem. Políticas de proteção, fundamentadas em um repertório legal robusto desde a esfera constitucional, e editais de captação de recursos destinados exclusivamente para a gestão de projetos culturais estão presentes nas rotinas de salvaguarda.
O tombamento pode ser entendido como uma chancela que possibilita oportunidades por meio da ciência dos benefícios legais, sociais, nacionais e internacionais já existentes.
A valorização da cultura, da identidade nacional e do sentimento de pertencimento é a justificativa para a valorização dos bens edificados tombados. Contribuir para seu reconhecimento social por meio de estratégias de uso contínuo desses equipamentos os torna sustentáveis e persuade a sociedade do instituto do tombamento e de seus benefícios. Somada? ao entendimento social, a ação do gestor desses bens, reconhecendo e aplicando os mecanismos disponibilizados para o financiamento dos custos que um imóvel protegido inevitavelmente gerará, é premissa fundamental para a compreensão de que a proteção do bem é uma possibilidade eficiente. Ainda, uma boa gestão dependerá da efetiva aplicação das políticas destinadas à manutenção do bem e do assessoramento dado pelos institutos voltados ao patrimônio histórico.
A primeira questão a ser abordada é que o patrimônio, após ser reconhecido e valorado cultural e historicamente, torna-se um direito social, que precisa ser conservado e acessível a todo cidadão brasileiro, estando na posição de um direito difuso. Esse entendimento possibilita que políticas especialmente direcionadas à sua manutenção possam ser desenvolvidas, voltadas para uma gestão eficiente e para a conservação com sustentabilidade.
Pode-se descrever, primeiramente, embasado no reconhecimento do patrimônio cultural como um direito difuso, a aplicação de recursos oriundos de indenizações resultantes de processos judiciais voltados para a proteção do patrimônio histórico. O Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), criado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, tem por finalidade, dentre outras, a reparação dos danos causados aos bens e direitos de valor artístico, estético e histórico. Nesse contexto, o gestor do patrimônio, caso aja inadequadamente na administração do bem que está sob sua responsabilidade, poderá ter como penalidade indenizar toda a sociedade, reparando qualquer bem de valor histórico.
Outra via importante seria o uso das leis com concessão de benefício fiscal, quando pessoas físicas e jurídicas destinam parte de sua contribuição em impostos diretamente para projetos culturais propostos pelos gestores dos bens de valor histórico. O principal mecanismo de fomento à cultura do Brasil, a Lei 8.313, de 23 de dezembro de 1991, que ficou conhecida como a Lei Rouanet, instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura, o Pronac. Seria uma possibilidade de a sociedade influenciar diretamente na dinâmica de gestão do bem tombado, financiando sua proteção.
O uso de mais uma ferramenta para financiar projetos possibilitaria a manutenção dos bens de valor histórico, utilizada por empresas e organizações com interesse nas disciplinas culturais, e incentivaria também a participação coletiva no financiamento de projetos. Os chamados matchfundings são propostos em editais abertos, periodicamente, viabilizando que a pessoa jurídica proponente dobre, ou até triplique, o que é arrecadado em uma campanha de financiamento coletivo. Nesse caso, o cidadão e as organizações que possuam como objetivo comum projetos que promovam a conservação e a divulgação do patrimônio agem colaborativamente na captação e gestão de recursos destinados especificamente para os edifícios tombados.
As possibilidades citadas são as vias de maior abrangência em sua aplicabilidade, em nível federal, havendo outros caminhos de ação regional e local para a captação de recursos e para a gestão do patrimônio tombado. Por fim, o reconhecimento do valor de um bem, por meio do tombamento, descortina possibilidades especialmente vinculadas ao objeto protegido, cabendo ao seu gestor e à sociedade a apropriação efetiva e a execução desses benefícios.
SOBRE A AUTORA : A 2° Tenente AMANDA MAIA DE AMORIM possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense (2006) e pós-graduação em Gestão de Projetos pela Universidade Estácio de Sá (2015). Atualmente, é Oficial Técnico Temporário do Exército Brasileiro, arquiteta, adjunta da Seção de Patrimônio e Planejamento Cultural (SPPC) da Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEX), onde atua na análise e no encaminhamento de projetos culturais de interesse do Exército, além do assessoramento em assuntos relacionados ao Patrimônio Histórico e Cultural, nas relações entre os órgãos de proteção do Patrimônio Histórico, em todas as esferas. Ainda, é tutora dos Estágios Interdisciplinares de Gestor e Assessor Cultural. O interesse pela área de Patrimônio Histórico e Cultural remonta à graduação, quando a História da Arquitetura se tornou área de predileção, buscando o laboratório da cadeira, exercendo a função de monitora da disciplina por quatro anos. Possui experiência na área de projetos, com ênfase em Gerenciamento de Projetos, Projeto Cultural, Projeto Básico e Projeto Executivo, atuando principalmente nos seguintes temas: Coordenação de Projetos e Projetos de Revitalização e Conservação.
Publicado em: 29/07/22